Quando era um pouco mais jovem, participei de vários encontros na Igreja. Em um deles, havia uma dinâmica que pedia para refletirmos sobre as “áreas da vida” e, depois, elaborarmos propostas concretas para melhorar cada uma delas. Peguei meu papelzinho e fui para um lugar calmo. Foi então que percebi que aquela não era a primeira vez que me pediam para dividir a vida em setores. Já havia feito isso em outros momentos e, ao pensar nisso, comecei a me perguntar: afinal, em quantas partes já tentei repartir a minha vida?

“E você, como dividiria a sua vida? Família, trabalho, amizades, lazer, espiritualidade?”
A verdade é que essa divisão é apenas um recurso pedagógico. Separar os aspectos da vida nos ajuda a organizar ideias e tomar decisões. Mas sabemos que, na prática, nada está isolado. Uma palavra ríspida do cônjuge pela manhã pode comprometer o humor de um dia inteiro de trabalho. Um conflito vivido na escola pode tirar o sono de um professor, que chega em casa impaciente e transfere sua tensão para a família, ou até para os amigos. Pequenas situações se encadeiam, mostrando que tudo está, de algum modo, conectado.
Nossa vida é, essencialmente, integrada. Por que, então, a Educação insiste em separar tanto? Por que isolamos os saberes em disciplinas que, muitas vezes, parecem não dialogar entre si? A própria experiência humana nos mostra que é impossível compreender o todo a partir de fragmentos desconectados.
Talvez a dificuldade de integrar, dentro da escola, não esteja na natureza dos conhecimentos, mas na forma como aprendemos a organizá-los. É mais fácil classificar, criar caixas e manter fronteiras. O desafio está em cruzar os limites, perceber as relações e construir pontes. E é exatamente esse desafio que se coloca diante de nós, educadores: como recuperar a integração que a vida já nos ensina e que a escola tantas vezes insiste em desfazer?
A partir da implementação da BNCC, o Ministério da Educação (MEC) tem sinalizado claramente a importância da integração curricular no Ensino Médio. No PNLD 2021 do Ensino Médio, houve uma tentativa de avançar nessa integração: os livros passaram a ser organizados por áreas de conhecimento — por exemplo, Ciências da Natureza, reunindo Biologia, Física e Química em seis volumes. Contudo, estudos mostram que, embora o modelo editorial fosse integrado, sua utilização em sala de aula foi limitada.
No ciclo atual, PNLD 2026, ocorre um movimento de “volta à especialidade”, mas incorporando a integração: os livros tornam-se disciplinares novamente, mas sua escolha é feita por área do conhecimento, exigindo que todos os volumes pertençam à mesma coleção. Esse percurso evidencia um compromisso crescente do MEC com a integração curricular, ainda que seu avanço dependa de como essas políticas são implementadas na prática – principalmente em sala de aula.
Contar histórias é um caminho potente para iniciar a integração.

Uma boa narrativa não apenas chama a atenção dos estudantes, mas também cria um fio condutor capaz de unir conhecimentos que, de outra forma, pareceriam dispersos. Quando nos conectamos a uma história, somos levados a enxergar as relações entre fatos, conceitos e experiências de forma orgânica, assim como acontece na própria vida.
Na Educação, esse recurso permite que disciplinas dialoguem naturalmente: a Biologia encontra a Química, que, por sua vez, se conecta à Física, todas elas atravessadas por uma narrativa que dá sentido à aprendizagem. Mais do que transmitir informações, a história envolve afetos, gera curiosidade e cria memória. Ela transforma conteúdos abstratos em experiências significativas. Um exemplo é contar a história que inspirou o astrônomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996) a afirmar que o ser humano é feito de “poeira de estrelas”. No volume Origens, da coleção Multiversos Ciências da Natureza (PNLD 2021), essa ideia foi apresentada com a seguinte introdução:
Como tudo começou? Qual é a origem do Universo, das estrelas, dos planetas, dos seres vivos e do ser humano? Pode haver vida fora da Terra? Como é possível estudar o Universo? Estas são algumas questões que norteiam o estudo neste volume. Durante a história da humanidade, diversas teorias foram elaboradas e contribuíram para o atual entendimento que hoje temos do Universo, da vida e da própria história evolutiva do ser humano.
[…]
GODOY, Leandro Pereira de; DELL’ AGNOLO, Rosana Maria; MELO, Wolney Candido de. Multiversos: ciências da natureza: origens: Ensino Médio. 1. ed. São Paulo: FTD, 2020. p. 9.
Essa história começa com a formação do Universo e sua estrutura, explorada pela Física. Em seguida, a Química entra em cena para explicar a formação dos elementos e a evolução estelar. Novamente a Física contribui, ao tratar da observação do cosmos e das forças gravitacionais que o regem. A narrativa culmina na Biologia, ao apresentar as condições que possibilitaram o surgimento da vida na Terra, sua classificação e sua evolução.

Ao olhar para as estrelas, vemos nosso passado e nosso futuro.
A problematização contextualizada é outro caminho para integrar
Nesses casos, os estudantes percebem que os conhecimentos dialogam para explicar fenômenos ou resolver desafios do cotidiano. Um bom exemplo é a integração entre Ciências e Matemática, possível tanto nos anos iniciais quanto finais do Ensino Fundamental, a partir do tema “água virtual”. Ao investigar quantos litros de água são necessários para produzir um tomate ou um quilo de carne, os estudantes aplicam a Matemática em situações reais, realizando conversões, cálculos de médias e projeções. Ao mesmo tempo, discutem em Ciências os processos de irrigação, transpiração das plantas e desperdício de recursos. Assim, um único tema conecta números e fenômenos, ajudando os estudantes a compreender tanto o valor dos cálculos quanto os impactos ambientais de nossas escolhas de consumo.

Imagem gerada por IA
Integrar não é apenas um desafio pedagógico; é uma necessidade da própria vida.
Quando contamos histórias ou propomos situações contextualizadas, mostramos aos estudantes que o conhecimento não se divide em gavetas, mas se entrelaça para explicar o mundo. O papel do professor, nesse processo, não é abandonar sua especialidade, mas ser capaz de enxergar além dela, conectando sua disciplina às demais.
Talvez a pergunta “quando integrar se tornou difícil?” encontre sua resposta justamente na escola, quando nos acostumamos a separar aquilo que, por natureza, é unido. O caminho agora é o inverso: recuperar a integração que a vida já nos ensina, valorizando tanto o aprofundamento de cada área quanto os pontos de encontro entre elas.
Esse também é o esforço que tenho buscado realizar ao produzir materiais didáticos: manter o protagonismo do professor especialista, mas ao mesmo tempo, oferecer caminhos, exemplos e sugestões que favoreçam a integração. Assim, os estudantes podem viver uma aprendizagem mais significativa, que reflete a complexidade do mundo real e amplia suas possibilidades de compreender e transformar sua própria realidade.

Leandro Godoy
Mestre em Microbiologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR). Bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela UEL-PR. Foi professor na rede particular e na rede estadual do Paraná. Realiza palestras, cursos e assessorias para professores. Autor de obras didáticas.