A educação digital vai além da presença de computadores: integra pensamento e cultura digital crítica, uso consciente de tecnologias emergentes e aprendizagem significativa.
Ela está agora contemplada oficialmente na Resolução CNE/CEB n.º 1/2022, que traz três eixos estruturantes: pensamento computacional, cultura digital e mundo digital.
No Brasil, o PNLD (Programa Nacional do Livro e Material Didático) acaba de incorporar oficialmente a Educação Digital em 2026 para o Ensino Médio, sinalizando que o tema deixou de ser acessório e passou a ser parte integrante do currículo nacional. As obras “360º Educação Digital” e “Educação Digital Por Toda Parte”, da FTD Educação, é exemplo dessa inserção no PNLD.


O que é educação digital?
A educação digital é o uso intencional de tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem, promovendo uma experiência mais ativa, personalizada e centrada no estudante. Ela envolve desde a seleção de novas estratégias ou metodologias de ensino ativas e inovadoras ao uso de plataformas, recursos digitais e aplicativos educacionais.
Por que é urgente refletir sobre a educação digital nas escolas?
A pandemia de COVID‑19 evidenciou as desigualdades no acesso à internet, equipamentos e à formação docente. De acordo com dados da Unesco, no Brasil, 42% das famílias não tinham equipamento adequado para dar continuidade aos estudos das crianças e jovens e 58% dependiam do telefone da família, mesmo que com conexão limitada. E isto é insuficiente para experiências digitais mais elaboradas.
Dados do Censo Escolar 2023, compilados por NIC.br e INEP, apontam que o Brasil tem 137.208 escolas estaduais e municipais. Dessas, 89 % declararam ter internet, mas apenas 62 % afirmam utilizar essa conexão para aprendizagem, e apenas 29 % dispõem de computadores, notebooks ou tablets para uso dos alunos.
Outro levantamento do Anuário Toda Pela Educação (2024) traz números ainda mais conservadores: 39,2 % das escolas oferecem internet aos alunos, e somente 30,4 % relatam velocidade adequada de conexão (mínimo para exibição básica de vídeo ou plataformas online). Quanto a dispositivos, 44,7 % têm computador de mesa e 38,1 % notebook ou tablet para uso dos estudantes.
Entre as escolas públicas estaduais e municipais em Minas Gerais, por exemplo, cerca de 44,6 % das escolas têm internet para uso dos alunos, com 62,2 % usável para aprendizagem, e 58,5 % disponibilizam computador de mesa para estudantes. Essa desigualdade é ainda maior em regiões mais pobres do Norte e Nordeste.
Em residência, cerca de 96 % dos professores têm acesso à internet em casa, e 98 % possuem computador doméstico, segundo dados do CETIC.br (2023) — mas isso nem sempre se traduz em uso pedagógico eficaz em sala de aula.
Principais desafios enfrentados
- Infraestrutura escolar precária: poucas conexões adequadas, equipamentos escassos ou obsoletos, falha na rede elétrica ou Wi-Fi limitado.
- Formação docente insuficiente: a maioria dos professores não recebeu formação específica sobre tecnologias digitais além do uso instrumental.
- Sobrecarga curricular: os docentes acumulam muitas responsabilidades e têm pouco tempo para planejar aulas digitais.
- Desigualdade regional e socioeconômica: acesso desigual entre áreas urbanas e rurais, o que afeta acesso dos estudantes aos recursos fora da escola.
Porque vale investir agora em Educação Digital
O avanço da educação digital deixou de ser apenas uma tendência e tornou-se uma necessidade urgente. Em maio de 2025, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB), lançou o Guia de Educação Digital e Midiática: como elaborar e implementar o currículo nas escolas, elaborado em parceria com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR).
O material traz orientações para que redes públicas e privadas possam incluir de forma consistente a cultura digital nos currículos. Durante o lançamento, realizado por meio de um webinário, também foram anunciados 60 novos cursos sobre a temática disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC (Avamec), ampliando as possibilidades de formação continuada para gestores e professores.
Essa movimentação nacional coincide com uma mudança significativa: a inclusão da Educação Digital no PNLD 2026. Pela primeira vez, o Programa Nacional do Livro e do Material Didático traz obras voltadas para desenvolver competências digitais nos estudantes. Um exemplo é a coleção “Educação Digital Por Toda Parte” (FTD Educação, da Andréa Oliveira), que trabalha com metodologias ativas, personalização do ensino e atividades voltadas à autonomia, à formação crítica e à resolução de problemas reais.
Além disso, é importante destacar a BNCC de Computação, homologada em 2022, que estabelece as diretrizes nacionais para o ensino da computação na Educação Básica. Ela organiza as aprendizagens em três eixos principais: pensamento computacional, mundo digital e cultura digital, prevendo que todos os estudantes desenvolvam competências relacionadas ao uso crítico e criativo da tecnologia. Para os municípios, alinhar os currículos à BNCC de Computação não é apenas uma questão pedagógica, mas também estratégica: esse alinhamento é condição para acessar verbas complementares e programas federais de apoio à educação digital, ampliando investimentos em infraestrutura, formação docente e aquisição de materiais.
O investimento nessa agenda também tem impactos diretos na qualidade da educação. Ao desenvolver habilidades digitais, os estudantes fortalecem competências como pensamento crítico, criatividade e capacidade de resolver problemas — elementos que influenciam positivamente o desempenho acadêmico. Isso é crucial para melhorar indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que em 2023 alcançou 4,3 no Ensino Médio, ainda distante da meta nacional de 6,0.
Conheça alguns cursos sobre o tema Educação Digital no AVAMEC
Apresenta conceitos fundamentais da Educação Digital, abordando o mundo e a cultura digital, além das tecnologias e do pensamento computacional aplicados à educação.
Questionário on-line auto declaratório que ajuda professores da educação básica a identificar seus saberes digitais para o uso de tecnologias digitais na prática pedagógica.
Caminhos práticos para implementação da Educação digital na escola com poucos recursos
Para que a Educação Digital não fique apenas no discurso das políticas públicas, é essencial que cada escola — junto com sua gestão e corpo docente — trace um plano realista de implementação, considerando suas condições locais. Isso significa diagnosticar a infraestrutura disponível, mapear competências docentes e compreender o acesso dos estudantes às tecnologias.
A partir dessa leitura crítica da realidade, mesmo instituições com poucos recursos podem construir estratégias graduais, criativas e efetivas para inserir a cultura digital em seu projeto pedagógico, garantindo alinhamento à BNCC de Computação e às exigências de programas nacionais, como o PNLD 2026.
1. Faça o diagnóstico da realidade local
- Quantas salas têm acesso à internet e qual a velocidade (se é banda larga acima de 50 Mbps)?
- Quantos computadores (fixos, portáteis, tablets) estão disponíveis e em que estado?
- Quais professores têm formação ou interesse em usar ferramentas digitais?
- Quantos estudantes têm acesso à internet em casa?
A partir desse diagnóstico, a gestão pode identificar prioridades, como: reorganizar os equipamentos em um laboratório central para uso coletivo, buscar parcerias locais (com universidades, ONGs ou empresas) para manutenção ou doação de dispositivos, oferecer formação básica em ferramentas digitais aos professores mais engajados e adaptar atividades para que alunos com menor acesso em casa possam aproveitar melhor os recursos disponíveis na escola.
2. Estratégias de baixo custo que funcionam
- Computação desplugada: essa abordagem permite ensinar lógica, sequências, estruturas algorítmicas e pensamento computacional sem precisar de um dispositivo. Atividades lúdicas com cartões, jogos, desenhos ou objetos físicos trazem muita aprendizagem em turmas com poucos recursos.
- Material offline complementar: vídeos previamente baixados (em USB), atividades impressas com QR codes opcionais, uso da rádio ou TV aberta educativa.
- Projetos integradores acessíveis: estimular alunos a investigar mídias sociais falsas, criar narrativas digitais no caderno, explorar ideias de robôs com papel e materiais simples.
- Formação via redes e parceiros: aproveitar cursos gratuitos como os do programa Escolas Conectadas (Fundação Telefônica Vivo), Instituto Escola Conectada (Grupo Datora) e iniciativas públicas que oferecem mentorias, conteúdos e até conexão para escolas em áreas remotas.
3. Formação docente contextualizada
- Promova rodas de estudo internas, com trocas de experiências sobre o uso de ferramentas simples como plataformas de escrita colaborativa, buscas seguras, editores gratuitos.
- Estabeleça formações em métodos de pensamento computacional por meio de materiais desplugados, integrando conceitos com outras áreas curriculares.
- Envolver agentes da rede, como secretarias, ONGs e universidades que apoiem formações baseadas nas necessidades reais da escola. Além disso, envolver parceiros e fornecedores de formação continuada.
4. Integração curricular e interdisciplinaridade
A BNCC da Computação, homologada pela Resolução CNE/CEB nº 1/2022, organiza o ensino da computação na Educação Básica em três grandes eixos: pensamento computacional, mundo digital e cultura digital. A proposta não é criar uma disciplina isolada, mas promover uma abordagem transversal, garantindo que os estudantes desenvolvam habilidades digitais críticas e criativas em diálogo com os demais componentes curriculares.
Para gestores e educadores, isso significa planejar a integração curricular e fortalecer a interdisciplinaridade, aproveitando oportunidades em diferentes áreas do conhecimento. Algumas possibilidades:
- Português: análise crítica de fake news e produção de textos multimídia (como podcasts, vídeos ou blogs).
- Matemática: exploração da lógica e dos algoritmos, além de cálculos aplicados a criptomoedas ou fundamentos de inteligência artificial.
- Ciências: debates sobre sustentabilidade tecnológica, Internet das Coisas (IoT) e uso ético da tecnologia no cotidiano.
Além disso, é possível propor mini-projetos práticos, mesmo em contextos com pouco acesso à internet. Exemplos:
- Um projeto de privacidade de dados em que os alunos criem campanhas de conscientização na escola.
- Atividades de algoritmos com recursos simples, como jogos de tabuleiro ou dinâmicas que simulem sequências lógicas.
- Projetos de mídias digitais em que os alunos registrem, com fotos ou vídeos, problemas locais (como descarte de lixo ou consumo de energia) e proponham soluções criativas.
Um excelente repositório de ideias, planos de aula e recursos gratuitos pode ser encontrado no portal Computacional.com.br, que reúne práticas e inspirações para implementar a BNCC da Computação em qualquer realidade escolar.
Recomendações para gestores e redes municipais
- Mapear infraestrutura e perfil docente para entender pontos de partida.
- Aproveitar programas e parcerias como Escolas Conectadas e Instituto Escola Conectada.
- Priorizar formação docente voltada a metodologias lúdicas e desplugadas – elas são eficazes, inclusivas e de baixo custo.
- Participar das decisões do PNLD, garantindo que os materiais trazidos atendam à realidade local e sejam usáveis principalmente sem internet.
- Política pública contínua: pedir ao município ou estado que busque recursos do MEC (Educação Conectada, Dinheiro Direto na Escola) para conectar 100% das escolas aptas com ao menos três computadores e rede interna funcional.
Educação Digital: do desafio à oportunidade
A educação digital deixou de ser apenas tema futuro: está agora estampada oficialmente no PNLD e na BNCC. Para professores da escola pública com poucos recursos, essa mudança representa um desafio e uma oportunidade. Mesmo com infraestrutura limitada, é possível:
- iniciar com computação desplugada;
- formar-se coletivamente;
- usar formações públicas e ONGs parceiras;
- escolher materiais PNLD que permitam adaptação offline;
- integrar os eixos digitais no currículo comum.
Essa abordagem fortalece a inclusão digital, a construção de autonomia e pensamento crítico, e pode contribuir para melhores resultados nas avaliações e no IDEB, reduzindo desigualdades. Com criatividade e parceria, é possível começar hoje — não esperar pela internet perfeita, mas construir uma educação digital que funcione para todos.