A educação é um dos espaços mais potentes para a transformação social. No entanto, historicamente, a escola também reproduziu desigualdades, exclusões e preconceitos, entre eles, o racismo.
Falar de educação antirracista é reconhecer essa realidade e propor uma virada ética, epistemológica e pedagógica: ensinar e aprender a partir da valorização da diversidade, da equidade e da justiça social.
O que é educação antirracista?
A educação antirracista parte da compreensão de que o racismo é uma estrutura – e não apenas um conjunto de atitudes individuais. Ele se manifesta em práticas institucionais, políticas públicas, currículos escolares e representações simbólicas que colocam certos grupos em posição de desvantagem.
A Declaração sobre Raça e Preconceito Racial da UNESCO define o racismo como um sistema que resulta em desigualdade racial sustentada por ideologias, atitudes e práticas discriminatórias.
Dessa forma, o combate ao racismo exige mais do que boas intenções: requer ações concretas para desmantelar essas estruturas.
A educação antirracista é o conjunto de práticas, políticas e conteúdos que têm como objetivo identificar, questionar e transformar essas desigualdades.
Ela não é uma disciplina isolada, mas uma perspectiva que atravessa todo o fazer educativo; da formação docente ao currículo, das avaliações à convivência escolar.
Por que precisamos de uma estrutura global para o antirracismo?
O racismo é um fenômeno transnacional. Suas raízes estão ligadas a processos históricos, como o colonialismo europeu, a escravidão atlântica e o imperialismo cultural, que criaram hierarquias raciais e epistemológicas persistentes até hoje. Por isso, é insuficiente combatê-lo apenas de modo local.
Como destaca a UNESCO, a ausência do tema nas agendas globais de educação contribui para a manutenção de hierarquias coloniais e da injustiça racial. Um projeto global de educação antirracista, portanto, não busca uniformizar experiências, mas conectar esforços locais; indígenas, afrodescendentes, asiáticos, árabes e tantos outros, em uma rede de solidariedade e aprendizado mútuo.
Isso significa reconhecer que o racismo não se manifesta da mesma forma em todos os contextos. No Brasil, por exemplo, ele está entrelaçado à herança da escravidão e à marginalização das populações negras e indígenas. Na Índia, ao sistema de castas; na Europa e nos Estados Unidos, à xenofobia e à islamofobia. A educação antirracista precisa considerar essas especificidades sem perder de vista o caráter global da luta pela equidade.
O papel da escola na luta antirracista
A escola é um espaço central na reprodução, ou transformação, das desigualdades raciais. O currículo, as práticas pedagógicas e até as interações cotidianas entre professores e alunos podem reforçar ou combater o racismo.
Uma educação antirracista escolar implica:
- Revisar conteúdos e metodologias que naturalizam hierarquias raciais;
- Valorizar as culturas e as histórias africanas, afro-brasileiras e indígenas;
- Promover o respeito às diferenças como um princípio ético;
- Garantir a equidade no acesso a oportunidades educacionais;
- Oferecer formação continuada a professores para o enfrentamento do preconceito racial.
Essa perspectiva é respaldada por marcos legais brasileiros, como a Lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, e a Lei nº 11.645/2008, que amplia esse ensino às culturas indígenas.
Fundamentos conceituais: o racismo como construção social
Um ponto essencial da educação antirracista é compreender que raça não é uma categoria biológica, mas uma construção social. A ideia de que existem “raças humanas” distintas foi usada historicamente para justificar a escravidão, o colonialismo e a segregação.
Embora a ciência já tenha refutado a noção biológica de raça, seus efeitos sociais permanecem. Por isso, como ensina a sociologia contemporânea, é preciso compreender o conceito de racialização: o processo pelo qual certos grupos são definidos e tratados de modo desigual com base em características físicas, culturais ou religiosas.
No ambiente escolar, essa racialização pode se manifestar de formas sutis, na expectativa menor sobre o desempenho de estudantes negros, na ausência de referências positivas, na desvalorização de suas expressões culturais, ou explícitas, como o bullying racial e a discriminação direta.
O que significa ser antirracista?
Ser antirracista é atuar intencionalmente para desmontar as estruturas de opressão racial. Isso envolve reconhecer privilégios, rever práticas e promover políticas afirmativas. Como destacou a pesquisadora norte-americana Ibram X. Kendi, “não basta não ser racista — é preciso ser antirracista”.
Na educação, isso significa:
- Identificar desigualdades raciais em índices de evasão, reprovação e acesso à universidade;
- Garantir representatividade nos materiais didáticos;
- Incluir autores, artistas e cientistas negros e indígenas no currículo;
- Criar espaços de escuta para alunos e famílias racializadas;
- Revisar práticas de avaliação e disciplina que reproduzam vieses.
O antirracismo também é interseccional: ele se cruza com lutas contra o sexismo, o classismo, o capacitismo e a homofobia. Assim, uma escola antirracista é também uma escola inclusiva e democrática.
Como trabalhar a educação antirracista em sala de aula
A prática antirracista não se limita a datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra (20 de novembro). Ela deve ser contínua, transversal e presente em todas as disciplinas. Confira algumas estratégias pedagógicas:
Revise o currículo
Analise quais vozes e histórias estão ausentes. É fundamental incluir narrativas que apresentem personagens negros e indígenas como protagonistas, e não apenas como vítimas.
Use a literatura e as artes
Livros, músicas, filmes e obras de arte são recursos poderosos para discutir identidade, pertencimento e diversidade cultural. Obras como Quarto de Despejo (Carolina Maria de Jesus) e Menina Bonita do Laço de Fita (Ana Maria Machado) permitem reflexões profundas sobre desigualdade e autoestima.
No Portal Conteúdo Aberto, você pode conferir livros de autores negros e com temáticas antirracistas. Acesse!
Trabalhe com metodologias participativas
Promova rodas de conversa, projetos interdisciplinares e pesquisas sobre a história local. Incentive os alunos a investigarem as contribuições de comunidades negras e indígenas para a formação cultural brasileira.
Fortaleça a escuta ativa
Abra espaço para que estudantes relatem experiências de preconceito e discutam soluções. O acolhimento e o diálogo são fundamentais para construir um ambiente seguro.
Forme professores com consciência racial
A formação docente precisa incluir o debate sobre branquitude, privilégios e epistemologias negras e indígenas. Sem essa base, é difícil sustentar práticas antirracistas de forma consistente.
Educação antirracista como compromisso ético e civilizatório
Promover uma educação antirracista não é apenas uma questão de representatividade, mas de justiça histórica. É reconhecer que a humanidade foi mutilada quando a escravidão, o colonialismo e o racismo estruturaram o mundo moderno e que a escola tem um papel central na reparação dessa ferida.
Como defende a UNESCO, uma educação comprometida com a equidade racial beneficia toda a sociedade, fortalecendo a democracia, o florescimento humano e a convivência plural.
Construir uma cultura escolar antirracista é, portanto, um ato civilizatório. É ensinar cada geração a ver no outro não uma diferença ameaçadora, mas um reflexo da própria humanidade. É formar cidadãos capazes de questionar o mundo e desejar reconstruí-lo com justiça, dignidade e empatia.